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Itagiba e o vereador

Um assunto leva ao outro e, como dizia o mestre Nasci, o outro leva ao um.

Traduzo.

Dia de chuva, mesmo que primaveril, é propício às lembranças.

Por isso, continuo hoje na velha Redação de piso assoalhado e grandes janelas para a rua Bom Pastor.

Tempos idos e vividos.

Desconfio que éramos felizes, e bem sabíamos.

Mas, não quero botar banca.

Quero mesmo reverenciar a memória do grande Itagiba, parceiro daqueles tempos acrobáticos e divertidos.

O veterano Ita já se encaminhava para os 70 quando o conhecemos. Era linotipista de O Estado de S. Paulo. Ali, no jornal da família Mesquita, começara a sólida carreira de gráfico e ali mesmo a encerrara, “com pompas e circunstâncias”, como gostava de dizer.

Veio trabalhar com a gente para defender uns trocos, rebater uma deprê que começava e, lógico, contar boas histórias.

— Houve noite em que corrigi um texto de Cláudio Abramo, proclamava em alto e bom som.

Podia ser que sim. É provável que não. Tudo na versão do amigo ganhava contornos de epopéia. Mas, ele entendia de gramática e, vira-e-mexe, consertava nossos textos.

Ele também se dizia um pandeirista de talento, especialmente quando derrubava uns copos a mais. Aliás, nesse estado, o Ita ficava mais sorridente e algo imprevisível.

Quando ele desandava a elogiar alguém, transformava a figura num ser santificado.

Do mesmo modo, destruía a reputação de quem não caia em suas graças.

Exagerava. Não deixava pedra sobre pedra.

Era inevitável também botar uma banca:

— Os gráficos sempre foram uma categoria profissional consciente, e incorruptível.

Concordávamos com ele. Éramos jovens, mas tínhamos lá nossos conhecimentos.

Certa tarde ele encasquetou com um político da região, figura ilustre, que vez ou outra nos visitava ali na Redação. Tínhamos simpatia pelo Nobre Vereador que lutava pelas diretas e achávamos que podia ter lá seus defeitos, mas era trabalhador.

— É um corrupto, oportunista, enganador. Um lambe-botas, sem futuro. Não sei como se elegeu…

Enquanto o Itagiba, de costa para a porta de entrada da Redação, gastava o vernáculo, adivinhem quem chegou?

O próprio.

Com habilidade política que só os palanques podem dar, o homem foi sutil.

— Grande Itagiba, como vai essa força?

20 segundos de silêncio e tensão até a resposta do nosso amigo:

— Tudo bem, tudo bem. Estávamos falando de você. Elogiando o seu trabalho na Câmara Municipal.

Era briga de cachorro grande. Qual seria o próximo passo?

— Quanta gentileza, meu caro, retrucou o vereador, como se nada tivesse ouvido.

Itagiba riu vitorioso. Evitara um lamentável malestar.

Não sabia que da outra parte viria a estocada letal que acabaria com a sua pose e o seu discurso.

— Por falar em gentileza, Itagiba. Você nem me disse se gostou do litro de uísque que lhe enviei semana passada. Escocês legítimo, papa fina.

Itagiba agradeceu humilde e já sabendo, de antemão, que tão cedo não se livraria dos piadistas da redação.

Não é para contar vantagem, não. Mas, éramos impiedosos em nossas gozações…

FOTO NO BLOG: Camila Bevilacqua