Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Mídia e Democracia

Por Ricardo Kotscho

Texto apresentado no 5º ENCONTRO DE JORNALISMO DA FACULDADE DE JORNALISMO E RELAÇÕES PÚBLICAS DA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO em 25 de setembro de 2006.

Boa noite,

Antes de mais nada, gostaria de agradecer aos professores e alunos da Metodista que me convidaram para estar aqui hoje, no lançamento do meu novo livro, para falar sobre Mídia e Democracia no 5º Encontro de Jornalismo.

Vou fazer apenas uma breve introdução sobre o assunto, deixando mais tempo para conversarmos durante o debate que teremos a seguir.

*

Lancei há poucas semanas um livro de memórias _ “Do Golpe ao Planalto _ uma vida de repórter” _ em que conto como se deu a passagem da ditadura à democracia sob o ângulo de quem viu e viveu de perto as mudanças no país e na imprensa na conjuntura pós-redemocratização.

Como comecei a trabalhar no inesquecível ano de 1964 e relato o que aconteceu até 2004, o livro apresenta um registro de quatro décadas divididas exatamente ao meio: vinte anos de ditadura e vinte anos da nossa jovem democracia. No meio, como um divisor de águas, localizo a Campanha das Diretas, o grande marco no processo de redemocratização do país.

A mesma grande imprensa que apoiara com entusiasmo o golpe militar de 1964 e, depois, fora colocada sob censura prévia em 1968, a partir do golpe dentro do golpe promovido pelo AI-5, demorou a se dar conta de que um grande movimento popular estava ganhando as ruas para dar um basta à ditadura.
Trabalhava nesta época no jornal “Folha de S. Paulo” que, desde o primeiro momento, ainda nos últimos meses de 1983, abriu suas páginas e mobilizou toda sua equipe para fazer a cobertura da Campanha das Diretas.

Pela primeira vez, notei esta inversão entre os chamados formadores de opinião abrigados na imprensa e a vontade popular expressa pela sociedade civil organizada. Em vez de a imprensa fazer a cabeça do povo para ir às ruas, como aconteceu em 1964, agora era o povo nas ruas que obrigava a imprensa a ir atrás para descobrir o que estava acontecendo.

Com a liberdade reconquistada, a imprensa viveria um período de prosperidade, tanto na circulação como na qualidade dos seus veículos. Isso durou mais ou menos até meados dos anos 90, quando se instalou a crise econômico-financeira na mídia, que muitas empresas até hoje não conseguiram superar.
Redações foram progressivamente sendo reduzidas, ao mesmo tempo em que, para cortar custos, o espaço das reportagens na mídia impressa foi sendo ocupado por colunas e pelo noticiário burocrático cevado nos gabinetes e apurado por telefone.
Em conseqüência, houve uma inversão de prioridades na pauta dos veículos. Em lugar das histórias sobre a vida no Brasil real, a mídia impressa passou a dedicar cada vez mais espaço ao Brasil oficial, aos bastidores e às futricas da disputa política, à vida das celebridades, algo que já foi qualificado pelo professor José Arbex como “shownalismo”.

Com a imprensa regional cada vez mais dependente do noticiário das três grandes agências nacionais, o resultado é que passamos a ter Brasília demais e Brasil de menos nos jornais e revistas.

É o caso de se perguntar hoje o que é causa e o que é conseqüência. A mídia impressa deixou de produzir reportagens capazes de surpreender o leitor e contar novidades por causa da crise econômica? Ou a crise é justamente conseqüência dessa indiferenciação entre os veículos, cada vez mais parecidos uns com os outros?

Nos anos mais recentes, essa situação se agravou com a concorrência das novas mídias eletrônicas. Agora, já não basta encontrar novas fórmulas para diferenciar um veículo do outro, mas também acrescentar algo a mais ao noticiário das agencias on-line para diferenciar uma mídia da outra.

Além disso, enquanto a imprensa de papel encolhia, emissoras de rádio e televisão passaram a investir cada vez mais em jornalismo. Os jornais, que antes pautavam o rádio e a televisão, passaram a ser pautados por eles.

Bem abastecido de informações durante todo o dia, o leitor dos jornais de prestígio passou a sentir um gosto de pão amanhecido no noticiário impresso que acompanha seu café da manhã.

*

Em compensação, os jornais populares não pararam de crescer no mesmo período, incorporando um leitorado novo. Quase todas as grandes empresas investiram nesse filão, atraindo gente que nunca antes teve dinheiro para comprar jornal.

O casamento do preço de capa bem mais barato com a melhoria de renda de parte dos trabalhadores criou um novo e promissor mercado. Por isso, entre outras razões, não faço coro aos profetas do apocalipse que anunciam há tempos o fim da imprensa de papel.

Assim como o cinema não acabou com o teatro, e a televisão não acabou com nenhum dos dois que vieram antes, acredito que todas as formas de divulgação de informações sobreviverão, desde que cada mídia saiba qual é o seu papel nesta história e seja capaz de atender às demandas da sua freguesia.

Sei que tudo isso que estou falando tem mais a ver com as relações entre imprensa e sociedade do que entre imprensa e Estado. Com a redemocratização, quanto mais a imprensa se mantiver distante do Estado e vice-versa, tanto melhor para a sociedade.

Para que isso seja possível, penso que se torna cada vez mais necessário estabelecer marcos regulatórios para a comunicação social, de preferência com a auto-regulamentação da atividade, tanto para empresas como para os profissionais.

Num mundo cada vez mais conectado à grande rede, em que todos um dia seremos emissores e receptores de informação, há que se estabelecer regras do jogo claras para que a liberdade de expressão e informação seja realmente um direito da sociedade democrática e não privilégio de interesses particulares de grupos políticos ou econômicos.

Assim como aconteceu lá atrás na Campanha das Diretas, assistimos hoje a um processo semelhante, em que a população já não se submete mais passivamente aos velhos donos da verdade, mas forma sua própria opinião a partir das mais diversas fontes e, principalmente, dos fatos concretos da sua própria realidade.
Na medida em que, pelas mais diferentes razões, a imprensa deixou de acompanhar o cotidiano da vida real em largas regiões do país, ao invés de surpreender seus leitores, muitas vezes ela é que está sendo surpreendida pelos fatos.

Foi o que aconteceu recentemente em São Paulo com os atentados praticados pelo PCC. Eu estava fazendo uma reportagem no interior de Santa Catarina. A todo momento, minha mulher e a do fotógrafo que viajava comigo ligavam pelo celular contando o que estava acontecendo.

Parecia que São Paulo estava sofrendo uma invasão de marcianos, como se o PCC tivesse sido inventado de uma hora para outra. O que aconteceu? Nós jornalistas simplesmente ignoramos o que se passava dentro dos presídios onde há anos uma organização criminosa vinha ganhando força. É o tipo da matéria que não dá para fazer por telefone…

Para aproximar novamente um mundo do outro, quer dizer, a fábrica de papel impresso da realidade vivida por sua clientela, só tem um jeito.
É colocar novamente os dois em contato, falar a mesma língua, reaprender a contar histórias da vida real.

É sair da redação, largar o telefone e as teses dos analistas políticos, botar outra vez o pé na estrada, olhos e ouvidos bem abertos.

É voltar a fazer reportagem, enfim. Foi o que fiz quando terminei de escrever o livro. Desde maio voltei a escrever reportagens para o jornal “O Globo”, junto com o fotógrafo Hélio Campos Mello, procurando sempre histórias e personagens que não estão na mídia.

Além disso, trabalho atualmente no projeto “Globo e Universidade”, uma iniciativa da Rede Globo para aproximar o mercado de trabalho das faculdades, participando de encontros como esse que vocês estão promovendo aqui na Metodista.

O meu principal objetivo com a publicação do livro é justamente resgatar entre os meus colegas jornalistas, especialmente entre os mais jovens, a paixão pela reportagem. Por isso, tenho viajado muito pelo país para juntar a teoria com a prática, quer dizer, ao mesmo tempo em que faço palestras em tudo quanto é lugar, vou levantando temas para novas reportagens. Depois de velho, virei um camelô de mim mesmo…

Vou parando por aqui. Se eu falar demais, depois ninguém vai comprar meu livro…

Muito obrigado a todos.