Do bloco de anotações do Dr. Nicola, taxista e psicólogo, conhecido meu. Depoimento de “uma paciente impaciente” para a tese de doutorado Mulheres Que Amam Demais. Idade incerta e não sabida, mocozada a sete chaves. Definida pelo ilustre cientista como:

“Um corpo humano cheio de curvas,
e algumas cicatrizes. Um corpo
feito de sonhos e saudades.”

[Esses bacanas quando querem falam umas coisas bonitas que só...]

A sessão começou. Vamos ouvi-la.

I.

Hoje estou melhor,
logo cedinho sai para caminhar
e um senhor me deu bom dia.
Adoro andar pelas alamedas
do parque quando o dia está claro.
Parece que o sol ilumina as coisas bonitas
que eu sinto no meu coração.

[Sei não. Nicola encheu de exclamações ao lado do texto. Parece que gostou do que ouviu.]

Continuemos...

II.

Ontem tive uma discussão
com o meu namorado
que tenta me impedir
de ter contato com gente, amigos...
São poucos e tão raros. Não dou motivo.
Eu sou muito quieta, não saio,
tenho uma vida reclusa.
Fico triste não com ele
mas com a minha falta de capacidade
de me entregar a um relacionamento.

[Comentário do Nicola: “Básico. Se ela sabe que lhe falta capacidade para se entregar a esse relacionamento, é por que já se entregou inteira em outro momento da vida. É provável que ainda não curou todas as feridas. Solução: tempo ao tempo.]

Vamos em frente...

III.

A vantagem e a desvantagem
de um casamento de muitos anos
é que você tem um contrato
que lhe deixa preso fisicamente,
mas a sua alma aprende a voar.
Pode ir para qualquer lugar.

[Não entendi. Nicola rodeou esse o comentário com pontos de interrogação. Desconfio que concordou discordando. Ou vice-versa...]

Tem mais...

IV.

Quando chega um novo
relacionamento, você tropica
no egoísmo do outro e de si mesmo.
Cobra um amadurecimento que
não existe.Todo início de namoro
tem essa ilusão da perfeição.
Ou seja daqui para frente
tudo vai ser diferente.

[Nicola gostou do que leu, parece. Anotou, em letra miúda: “Faz sentido”.]

Concordo. Mas o que mais ela diz?

V.

Há casos que a gente não sabe
se quer a pessoa perto ou longe. No meu caso,
ele é bonito, perfeito demais para mim.
Mas, por outro lado, vem de uma vida
muito diferente da minha. Pegou leve na vida.
E eu aprendi a carregar o piano nos braços.

[Um simples “mulheres, mulheres” diz tudo o que o psicólogo pensa. Ou seria o taxista?]

Nicola sempre me confunde. Se ele sabe que leio essas linhas, acaba a nossa amizade. Mas não resisto a curiosidade...

VI.

Sou só uma mulher.
alguém que tropeçou
e aprendeu a andar sozinha
sempre com dignidade.
Tudo que conquistei
foi dando o coração para bater
acordando cedinho e atravessando
noites em claro.”


[Comentário de Nicola em letras garrafais. “Os homens precisam entender que as mulheres não são mais as mesmas.”]

Eu acrescentaria apenas um “definitivamente”...