Ele era um brincalhão.
Ele riu ao notar algo de estranho e misterioso na amiga, de tanto tempo que voltara de uma viagem de estudos.
-- Tudo bem com você, perguntou.
-- Tudo, ela respondeu ‘no automático’.
Sempre tão simpática e algo falante, preferiu falar da semana de trabalho que ambos teriam pela frente.
Ele, o confidente de sempre, insistiu:
-- Tudo bem mesmo?
Ela respondeu com outra pergunta:
-- Por que não estaria.
-- Não sei, não. Você está com uma carinha estranha.
-- Deixa de ser bobo. O que estaria de errado comigo?
-- Esses dias todos na praia, sozinha. As coisas acontecem...
-- Havava!
Em tom de deboche, continuou a provocação. Tal qual o tataravô dos robôs, na antiga série de TV, Perdidos no Espaço:
-- Perigo! Perigo!
Ela também riu como se nada houvesse. E se fechou em copas. Procurou mudar de assunto. Falou de uma coletânea de clássicos que comprou no free shop. Passara a tarde ouvindo Johan Sebastian Bach.
-- Mas, você é muito chic mesmo, brincou
-- Você sabe o quanto gosto de música!
-- Gosta-se mais ainda quando se está começando uma paixão.
Ela fez que não era com ela. Deixou que o silêncio reinasse absoluto. Mas, qual o dom que o amigo tinha para ler o que queria confirmar para si própria.
Às vezes, quando queria, ele sabia ser chato. Insistiu:
-- E aí... Vai me contar ou ficamos assim.
-- Contar o quê...
[Será que estava assim estampado em seu rosto. Foram dias lindos, sim. Longe do estresse da cidade grande, do trabalho diário e de suas aflições. Do casamento morno...
Há tempos não se sentia assim. E agora o melhor amigo queria que conscientemente ela assumisse o que não queria assumir!]
... não tenho nenhuma novidade, além do sol, da praia, do descanso merecido que tive.
-- Então, tá. Falou tá falado.Vamos ao que se pode. Ao trabalho...
[Como lhe dizer que, nesses dias distantes, imaginou alguém ao seu lado que a fizesse rir, sonhar. Que lhe contasse histórias fantasiosas – e falasse mal dessas modernidades. Do celular, do notebook. Que ousasse assobiar aquela velha canção do Roberto:
“Além do horizonte deve ter
Algum lugar bonito pra viver em paz”
Como dizer ao melhor amigo, que ele era o homem da sua vida!] |