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Apesar de Você, a história (2)

IV.

– Pode soltar rojões. Passou…

– O quê?

– Você não vai acreditar. A música do Chico passou.

– Do que você está falando?

– “Apesar de você”. Os homens aprovaram, sem cortes.

Manoel Barenboim não só acreditou no que lhe dizia ao telefone o representante da Philips em Brasília como fez mais e melhor. Ligou para todos os setores da gravadora para que não perdessem um minuto sequer – e colocasse nas lojas o compacto de Chico Buarque que a censura acabara de liberar.

No dia seguinte, o disco estava nas melhores casas do ramo e nas rádios (que mal acreditaram quando receberam o material de divulgação).

Em dois dias, o samba estava na boca do povo. Vendeu 80 mil exemplares. Com menos de uma semana, já batia os 100 mil.

Sucesso absoluto.

V.

Sucesso absoluto até que o jornalista Sebastião Nery publicou uma inocente nota no jornal Tribuna da Imprensa. Ele se dizia encantado: a canção de Chico virara hino da juventude. Inclusive os próprios filhos do jornalista a cantavam da manhã à noite.

Alguém de farda suspeitou que houvesse algo de estranho naquela publicação.

(Nesse ínterim, a cantora Clara Nunes, de incrível popularidade à época, se encantou com a música e decidiu gravá-la no disco que estava finalizando. Dizem que Clara não se deu conta do cunho político dos versos de “Apesar de Você”. Imaginou que se tratasse de um desabafo de alguém que viu seu amor desmoronar.)

VI.

No depoimento de Sebastião Nery ao Departamento de Censura, os senhores do Poder, enfim, se deram conta de que haviam comido bola. O “você” que Chico entoava era ninguém mais, ninguém menos que o general-presidente de plantão, Médici. Por extensão, a letra proclamava que, apesar da ditadura, “amanhã há de ser um novo dia”.

Foi o suficiente para que a festa acabasse.

Os discos foram recolhidos das lojas. As rádios foram proibidas de executá-la. E forças militares invadiram os depósitos da gravadora e de lá levaram caixas e caixas de compactos que ainda seriam distribuídos por todo o Brasil.

O censor que a liberou foi demitido por incompetência.

Clara Nunes foi “convidada” a reparar o erro e se apresentar na Olimpíada do Exército.

E Chico continuou na dele:

“A censura me enche muito o saco. Mas, eu também encho muito o saco da censura.”

** A música foi liberada oito anos depois, no governo do general-presidente Ernesto Geisel.