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Bibi Ferreira, única. Incomparável

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O pai era apaixonado por corridas de cavalos.

Quase todos os finais de semana, era ele quem corria para o Jóckey Club, ali, na Cidade Jardim, em São Paulo.

Algumas vezes, ele me levava.

Eu era garoto. Oito ou nove anos, e adorava.

Adorava tudo.

O lugar amplo, mágico. A multidão que me parecia sempre eufórica. O trotar elegante dos garbosos cavalos. As jaquetas coloridas dos jóqueis. A emoção dos páreos, com o frenesi das disputas, os gritos de “dá-lhe, dá-lhe”. A euforia dos vencedores. Os murmúrios dos que perderam…

Tinha até um parquinho para as crianças, juro.

Era um planeta à parte. Um mundo instigante aos meus olhos de menino sardento nos idos dos anos 50.

Ops.

Corrijo a rota da conversa: não é este o assunto de hoje.

Numa das esquinas da avenida Lineu de Paula Machado (onde fica o hipódromo), ali quando cruza a avenida Euzébio Matoso, havia uma frondosa figueira e, naquelas paragens, a gente olhava em linha reta e via, do outro lado da rua, um morro de uns 50, 60 metros de aclive e, incrustada no alto do morro,  resplandecia uma portentosa edificação, de ares nobres e sofisticados .

Assim que a vi, numa dessas idas ao Jóckey, fiquei curioso – e, inspirado nas histórias de capa-e-espada que tanto gostava de ler, não resisti à tentação de perguntar para o pai:

– Aquilo é que é um castelo?

O pai sorriu.

(Pai que é pai sempre sorri diante das bobagens que os filhos dizem.)

Fez uma expressão solene diante da insólita pergunta, e nem por isso me deixou sem resposta:

– Não, Tchinim, é uma mansão. Mansão não chega a ser um castelo, mas é uma casa enorme. De muitos cômodos. Mas, ali mora um rei. O Rei dos Palcos barsileiros, o grande ator Procópio Ferreira, com a sua filha que também é artista. Chama-se Bibi, Bibi Ferreira.

Fiquei orgulhoso de constatar que o pai sabia das coisas. Sabia até quem morava naquele lugar lindo, e um tanto misterioso.

Achei divertido o nome da moça. Bibi.

Se era atriz, deveria ser uma mocinha já.

Se era filha do rei, deveria ser uma princesa, pensei.

Pensei – e, não me perguntem o motivo, fiquei maravilhado.

Um encantamento espontâneo, inexplicável desde então, me acompanha vida afora todas as vezes que, como espectador,  encontrei Bibi Ferreira, soberana, íntegra, nos palcos da vida.

Não foram tantas, mas marcantes.

Lembro-me dela, cantando, dançando e apresentando um programa semanal, Bibi 60, na extinta TV Excelsior (embora amigos me garantam que o programa dela era na Globo).

Depois a vi no teatro em montagens célebres – My Fair Lady, O Homem de La Mancha (com Paulo Autran), Brasileiro, Profissão Esperança, Gota D’Água e no musical Piaf.

Sempre plena. Rainha. A envolver-se com a personagem e, assim, envolver de verdades cênicas a toda a plateia.

Entendi perfeitamente quando, certa vez, disse numa entrevista:

“Quando estou no palco é um momento de comunhão. Através de vocês (o público), eu me encontro com Deus.”

Bibi, nascida Abigail Izquierdo Ferreira , morreu ontem, em sua casa no bairro do Flamengo, aos 96 anos.

Uma carreira única, incomparável.

77 anos em cartaz.

Era – e sempre será – a grande dama do teatro brasileiro.

Decididamente este não está sendo um bom começo de ano…

  • Um adendo – Soube anos e anos depois que a mansão foi mesmo, em algum momento, de Procópio Ferreira, mas a garota Bibi não marcou presença por lá. Por essa época, meados dos 50, fazia enorme sucesso como atriz nos teatros portugueses. Assim como eu, o Velho Aldo, meu pai, tinha uma tendência incontrolável de imaginar histórias. Também ele sabia se fazer encantado e encantador.
1 Response
  • VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
    14, fevereiro, 2019

    É meu amigo, que coisa!

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