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O bonde e a esperança

Sou um homem com mais de 60 – e essa longa jornada, caros e fiéis leitores, deixa marcas e tristezas.

Dias que preferiríamos esquecer.

Não falo unicamente de sentimentos pessoais, como a perda de um ente querido, de um amigo distante, de amores que findam ou de um projeto profissional que, por isso ou por aquilo, não vingou.

Falo da dor coletiva quando se entende que a nossa humilde existência em prol de algo maior, da construção de uma sociedade mais justa, igualitária, soberana ameaça se perder diante da nossa impotência ou mesmo da fragilidade em lutar.

Sabem aquele exato momento em que a gente esmorece e diz, para si mesmo, não vale à pena, não adianta lutar contra a corrente. Quando perdemos o bonde e a esperança, na expressão bendita criada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade.

Posso citar dois momentos assim:

Em outubro de 1975, ao saber da morte do jornalista (e meu professor na ECA/USP) Vladimir Herzog, assassinado pelos homens do DOI-CODI em uma tresloucada manifestação de força dos ultraconservadores.

Dez anos depois, quando o então senador Fernando Henrique Cardoso, então candidato à Prefeitura de São Paulo, perdeu bisonhamente a eleição para o ex-presidente Jânio Quadros que representava o retrocesso, meses depois de um civil (José Sarney que assumiu com a morte de Tancredo Neves) tomar posse após 21 anos de tosco militarismo.

Naquele primeiro episódio, a tragédia da tortura e da prisão nos rondava tanto na USP como nas redações (alguns colegas de classe também foram presos) e a sensação que se teve, a desolação, era a de que tudo estava dominado. A atuação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, de Dom Paulo Evaristo Arns, dos estudantes nas ruas para o culto ecumênico na Praça da Sé e de outros segmentos sociais, no entanto, deu indícios de que era preciso resistir.

A derrota de FHC, naquele momento, empoderou nos ministérios e nos altos escalões de Brasília e, por conseqüência, de todo o País, representantes de setores mais conservadores que implementaram “o toma lá, dá cá”.

A partir daí, houve toda uma reviravolta no cenário político nacional e os setores mais progressistas se afastaram do Palácio do Planalto. Não é exagero que outro momento de retrocesso, a eleição de Collor em 89 (com o aval da família Marinho e dos meios de comunicação) seja consequência desse desacerto nos primeiros passos da nossa tenra e promissora democracia.

Havia um sonho, mesmo assim. Um sonho que nos permitíamos sonhar juntos. Seria o Brasil de todos os brasileiros, como ouvi o dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri dizer em uma noite lá nos idos dos anos 80.

Por que lhes conto essas histórias de tempos idos e vividos?

Os amáveis leitores já devem imaginar.

As primeiras notícias da manhã me trouxeram a tristeza – e o desalento – daqueles dias.

Lembro 54, a morte de Getúlio. Lembro o Golpe de 64 e identifico os mesmos atores hoje em cena – a imprensa subserviente, o desequilíbrio entre os poderes, a questão do petróleo, dos interesses internacionais, a histeria coletiva, o inevitável confronto de classes…

Identifico até a ameaça do retrocesso, e de tempos ainda mais obscuros.

Temo que “o Brasil de todos os brasileiros” seja unicamente uma bela figura de linguagem de um grande poeta que já não está entre nós.

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